16 de setembro de 2025
O adeus a Gilca Wainstein, criadora e primeira gestora da Fundep
Doutora em Administração Pública, Gilca Wainstein elaborou a minuta que deu origem à então Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa. Respeitada e temida, apoiou para consolidar o parque de pós-graduação da UFMG e seus primeiros laboratórios de pesquisa.
Morreu em 9 de setembro, em Campinas (SP), Gilca Alves Wainstein, administradora que apoiou o reitor Eduardo Osório Cisalpino (gestão 1974-1978) na criação e primeiros anos da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa, hoje Fundação de Apoio da UFMG (Fundep). Única mulher integrante do escritório de projetos que deu origem à Fundação, Gilca é lembrada pela energia que dedicou às instituições que decidiu apoiar. Além da Fundep, participou da criação da Fundação Estadual do Norte Fluminense (Fenorte). Seu falecimento foi comunicado à Fundep na noite de ontem (15).
Natural de Bocaiúva (MG), filha de um médico e uma professora primária, Gilca teve acesso à educação diferenciada numa época em que pouco se permitia às mulheres. Após concluir o doutorado em Administração Pública, no início da década de 1970, passou a atuar na redação de projetos para captação de recursos para os recém-criados Institutos de Ciências Biológicas (ICB) e Instituto de Ciências Exatas (Icex), de onde surgiu a inspiração para a criação de um órgão central de viabilização da pesquisa para toda a Universidade.
Entre suas realizações à frente da Fundep, destacam-se o apoio decisivo aos primeiros projetos de pesquisa da Universidade e a articulação de iniciativas culturais e científicas, como o Projeto Museu do Homem, que mobilizou nomes como Darcy Ribeiro e Oscar Niemeyer. "Sua liderança sempre se fez notar pelo pioneirismo em um tempo em que ainda eram raras as mulheres em posições de comando", lembra Conceição Rubinger, que integrou a primeira equipe de Gestão de Projetos.
Aproximação com Darcy Ribeiro resultou em nova Fundação
Depois que deixou a Fundep, Gilca manteve-se conectada à estruturação do ensino superior brasileiro. Uma das suas atuações foi como diretora do Centro de Desenvolvimento e Apoio Técnico à Educação (Cedate), órgão do Ministério da Educação que, na década de 1980, tinha o objetivo de fortalecer a educação superior brasileira através da capacitação profissional, do apoio técnico e da articulação com outras instituições.
Em 1992, Gilca participou da criação da Fundação Estadual do Norte Fluminense (Fenorte), que daria origem à Universidade do Estado do Norte Fluminense (Uenf), universidade estadual criada por Darcy Ribeiro para ser uma universidade pública, gratuita e focada no desenvolvimento regional do interior do estado do Rio de Janeiro. "Mas a história diz que a genialidade de Darcy só pode se transformar em materialidade uenfiana por causa da experiência e da obstinação de Gilca Alves Wainstein. Ela trouxe para a Fenorte, a experiência de ter sido diretora da Fundep", escreveu Marcos Pędłowski, professor associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense em Campos dos Goytacazes, na noite de ontem.
Memórias dos 50 anos Fundep
Em agosto deste ano, como parte das comemorações dos 50 anos da Fundep, um time de colaboradores deslocou-se até Campinas, para gravar sua participação em um vídeo homenagem. Aos 89 anos, ao lado de seu fiel companheiro Bernardo Julius – um cão da raça São Bernardo –, ela recebeu o carinho de colegas que estiveram com ela nos quatro primeiros anos da Fundep, confira aqui o vídeo. Coincidentemente, o vídeo homenagem teve sua edição finalizada pouco antes da informação de sua morte.
Presidente da Fundep, o professor Jaime Arturo Ramírez lamentou a morte de Gilca Wainstein e lembrou de sua importância para a consolidação do projeto de dotar a Universidade de uma instituição competente na gestão de recursos. "Os registros dos primeiros anos deixam claro seu compromisso com a Universidade e a compreensão de que uma Fundação de Apoio somente se justifica pelos benefícios que concretiza para a instituição que lhe dá origem. Esse é um valor que continuaremos honrando em sua homenagem", afirmou.
Além de receber a homenagem dos colegas, Gilca também concedeu entrevista para o Jornal Fundep 50 anos, publicação que pretende registrar a história da instituição. Orgulhosa dos projetos que ajudou a formatar, Gilca lembrava-se das batalhas, muitas vezes acirradas, para mostrar à comunidade universitária que captar recursos não significava privatizar a Universidade Pública, mas sim ampliar sua autonomia e fortalecer a ciência. Confira, a seguir, um trecho da entrevista:
Jornal Fundep: Como se deram os primeiros passos da Fundep em termos de projetos e captação de recursos?
Gilca: Os primeiros projetos da Fundep saíram do Instituto de Ciências Biológicas, mais especificamente dos departamentos de microbiologia, bioquímica e fisiologia – que já recebiam verbas da Finep [Financiadora de Projetos]. Nós começamos com o apoio do corpo científico da UFMG e de estagiários, inclusive de outras instituições. Até que fomos em busca de financiadores internacionais: BID, Ford Foundation e Kellogg Foundation. Todos tornaram-se grandes parceiros e foram muito importantes para o fortalecimento da Fundep nos anos seguintes.
Jornal Fundep: Como a senhora organizou a estrutura para acolher o pesquisador?
Gilca: A vida do pesquisador era infernal. Alguns que já possuíam algum nome fora da UFMG ainda conseguiam migalhas do CNPq. O pesquisador sabia que precisava, mas não sabia o quê precisava. Então, eu fazia o primeiro contato e começava a montar os projetos para eles: o quê, por quê e para quê? Depois, “como você vai fazer isso?”, “quais instrumentos você vai precisar?”... Eu montava, negociava e, então, direcionava uma equipe bem especializada para acompanhar o projeto.
Jornal Fundep: A senhora não foi apenas a primeira dirigente, a senhora integrou a equipe que fez a minuta da criação da Fundep. Por que a senhora decidiu nomear o cargo máximo de Secretaria Executiva, em vez de Presidência, que era o mais comum das estruturas organizacionais da época
Gilca: Quando eu desenhei a estrutura da Fundep, pensei: se definirmos por Presidência, os homens virão todos pra cima, desejando a posição de presidente. Mas, se o nível hierárquico máximo for uma Secretaria Executiva, e um cargo de secretária-executiva, ou secretário-executivo, vou conseguir fazer uma gestão sem atritos. Ou melhor, com menores atritos. Você não via, naquela época, um secretário – mesmo que executivo. O nome era coisa de mulher.